terça-feira, 9 de março de 2010

Perfil de Maria do Amparo

55 anos. Casada, dois filhos. Lisboeta de Alfama.
A mãe, peixeira no Mercado da Ribeira, acreditava piamente que tinha “parido” - palavras suas - a versão loura da Madalena Iglésias. Enquanto menina era senhora de uma voz inconfundível, apenas comparável à sua beleza rara, exótica para a época e, acima de tudo, para o local. Uma loura de olhos azuis não se encontra em todas as esquinas de Alfama. Do pai, sabia apenas que andava embarcado até à altura do seu nascimento, o que tornava estranho o momento da fecundação.
Infelizmente, os anos não foram tão meigos como os pregões de sua mãe. Maria do Amparo é agora uma mulher robusta, de rugas profundas e amarga. Dir-se-ia zangada com a vida.
É doméstica - “com muito orgulho!” - e às segundas, quartas e sextas faz limpezas em quatro apartamentos das redondezas. Num deles, o do Sr. Coronel da Marinha, desvia pequenas quantidades de whiskey que, oportunamente, bebe ali mesmo. Nos outros, trabalha para jovens – dois deles estrangeiros – que procuram viver o sonho da Lisboa típica. Para Maria do Amparo, não passam de uns “porcos fornicadores que vieram encher o bairro de carros caros e mulheres baratas”. A sua veia poética é proporcional ao seu talento para o diz-que-disse. Se alguém tem algo para contar àquele bocado de Lisboa, deve partilhá-lo com Maria do Amparo. Entre ela e o marido, Acácio de Jesus, porteiro de um prédio de escritórios nas Avenidas Novas, dominam a informação das ruas.
Não é, pois, de estranhar, que quando todos aqueles crimes começaram a acontecer, a polícia tenha recorrido ao seus serviços.

João Nunes Coelho

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